AQUELE CÃO IRRITANTE, o PULGAS, veio a correr desde a lavoura da Adelina, e não fazia tenção de o largar – ladrava e saltava, sedento de atenção do OME do mundo com menos paciência para o aturar.
“VAI ROER OSSOS, PULGAS!”, berrou o OME DO MONTE, com aquele carinho habitual com que ele trata os animais, com o encanto digno de um domador de feras, dia após dia, “VAI CAVAR BURACOS PARA O QUINTAL DO VIZINHO! AGORA TOU OCUPADO!”
E, de facto, estava. Tinha um telefonema. Já para aí desde o Natal que o OME DO MONTE não recebia um telefonema em sua casa. É curioso: todas as outras casas do RESTO DO MUNDO costumam receber telefonemas com frequência, excepto a sua. Talvez por viver sozinho, talvez por não ter tantos familiares quanto isso – talvez, até, por ele se dizer um gajo calmo – calmo e também um pouco anti-social, visto que –
Tem uma espingarda na mala e uma pistola no porta-luvas, ninguém sabe bem para quê.
E não é para a caça, isso a população de Arreganha-a-nova o pode garantir. Ainda se diz um tipo “calmo”… de vez em quando vai jogar o seu real jogo de cartas com os outros ditos “calmos” da região, e não há sexta-feira à noite que não acabe numa “calma” cena de pancadaria.
Assim como nenhum jogo de futebol que dê sem ser na televisão por cabo é bom presságio para os cafés da terra de Arreganha. Os donos dos inúmeros estabelecimentos (dois e meio, visto que um deles é clandestino e, em teoria, “não existe”), ao que consta, ganharam a fama de usarem colete à prova de bala, e isto ninguém sabe porquê, uma vez que todos os indivíduos que se conhecem são “calmos”. Às vezes estão tão “calmos” que os colocam num caixão.
E o OME DO MONTE é, de entre os calmos, o mais calminho de todos. De grande envergadura, mãos grandes e cabedal de meter medo, de cabelo preto que não vê água desde as últimas chuvas – isto se chover – um BIGODE que deixa crescer desde que atingiu a maioridade (ou seja, desde que nasceu), e umas BOTARRAS que pisam todo e qualquer tipo de solo.
Onde é que ia ele? Ah, ia para casa, atender o telefonema do ZÉ TOLAS. Raios partam o ZÉ TOLAS, pensou. Aos anos que já não via aquele OME. É ele, o QUIM PESCAS e o LA BOUSSE. Este último emigrou, e já ninguém ouve falar dele desde o dia em que levou umas cinco unidades de tabaco (e tanta cerveja que dava para ser declarada um lago) para o estrangeiro. Está caro, em França, está caro, disse ele, encheu o depósito e pôs-se na alheta.
Mas aqui, nos seus tranquilos e “calmos” Trás-os-Montes, o OME DO MONTE governava-se bem, sem problemas, quer dizer, sem problemas ainda vivos. Agora mesmo já se encontrava quase a chegar a casa. Apareceu OUTRA VEZ o chato do Pulgas. O que é que ele queria?
“VAI LADRAR PARA A ESQUINA, PULGUENTO!”
A cozinheira estava já à espera dele na entrada.
“Ó senhor, apresse-se, que o senhor ZÉ TOLAS daqui a bocado fica sem moedas para manter a ligação!”
O OME DO MONTE é de poucas palavras, e sempre que pode, mostra o seu lado afável e compreensivo.
“TÁ BEM! ALGUÉM FALOU PARA TI?”
Foi à sua secretária (que, ao tempo que está parada, até ganhou bicho), levantou o auscultador, e colocou-o ao ouvido.
“TOU!”
Ouviu uns ruídos.
“TOU!?”
Mais ruídos. Começou a estranhar. Será que o aparelho estava avariado? A cozinheira estava a observá-lo com atenção. Ganhou coragem e disse, ainda a medo:
“Ah… o senhor tem… tem… tem o telefone ao contrário.”
O OME rodou o telefone.
“EU SABIA! E TU JÁ IAS PREPARAR O ALMOÇO!”
“Mas são nove e meia…”
“MAS JÁ!”
Ela ausentou-se a correr, já quase a chorar, ao que ele, satisfeito com a sua eficácia, se encostou na cadeira, como os OMES que usam secretárias costumam sentar-se, cheios de estilo. Até experimentou baixar um pouco a voz.
“Tou sim?”
O ZÉ TOLAS já estava farto de esperar. Já para aí há 20 minutos que metia moedas no telefone da sua empresa e a carteira não tinha muitas mais.
“TOU, OME!”, disse muito rápido, “OLHA, eu não te ligava se não fosse mesmo muito importante, mas isto é uma questão de vida ou de morte… e cheira muito, muito, muito mal.”
“OI, mas não sou eu!”
“Eu sei que não és tu. Tu cheiras mal, mas cheiras mal na Arreganha-a-nova. OLHA: na empresa em que eu trabalho, a Ping Digitália, estão a planear coisas muito perigosas. Os chineses estão a congeminar, e são muito suspeitos.”
“Mas tipo, EU NÃO QUERO SABER DOS CHINESES!”
O ZÉ TOLAS, que já esperava isso, rematou:
“Eles apanharam o QUIM PESCAS no alto-mar e prenderam-no!”
“OI? O QUÊ?”
“Sim, isso mesmo, e temo que lhe vão fazer mal. Não sei o que é que eles querem, nem o que estão a pensar fazer, mas vamos fazer o seguinte: tu mete-te já no carro e guia para a CIDADE CAPITAL. Acelera. A tua viagem ainda vai demorar umas horitas. Entretanto, eu vou tentar libertar o QUIM. Vou fazer os possíveis, mas não me parece que consiga passar a segurança toda. Não sei. Tenho que ver isso. O mais certo é lixar-me também. Tu vem direito à Ping Digitália. Quando chegares vai à recepção e pede para que o empregado ZÉ TOLAS venha ter contigo. Se eu não aparecer, chama a bófia e diz que há tráfego de órgãos nos níveis inferiores do complexo de prédios aqui da empresa… isso vai fazer a polícia revistar o local… e os chineses não vão conseguir explicar porque é que o QUIM PESCAS está enclausurado.”
“MAS ESPERA, porque é que não esperas que eu chegue e dizemos tudo à polícia?”
“Porque pode já ser tarde. Não quero nem imaginar o que podem fazer ao QUIM se esperarmos muito. A regra deles, pelo que vi, é: nada de testemunhas. Anda lá. Salta para o carro. Está a acabar-se o meu tempo. Até logo!”
A chamada caiu.
“ATÉ LOGO! BOA SORTE!”, bradou o OME DO MONTE, a ver se o outro ainda o podia ouvir, caso falasse um pouco mais alto. Bateu com o auscultador no telefone, ergueu-se, cheio de energia, e gritou, para a casa toda ouvir:
“Ó ALBERTINA, TRAZ-ME AS BALAS DA CAÇADEIRA!”
(…)
E não percam o próximo OMIPISÓDIO, dia 26 de Fevereiro, que nós também não!
“VAI ROER OSSOS, PULGAS!”, berrou o OME DO MONTE, com aquele carinho habitual com que ele trata os animais, com o encanto digno de um domador de feras, dia após dia, “VAI CAVAR BURACOS PARA O QUINTAL DO VIZINHO! AGORA TOU OCUPADO!”
E, de facto, estava. Tinha um telefonema. Já para aí desde o Natal que o OME DO MONTE não recebia um telefonema em sua casa. É curioso: todas as outras casas do RESTO DO MUNDO costumam receber telefonemas com frequência, excepto a sua. Talvez por viver sozinho, talvez por não ter tantos familiares quanto isso – talvez, até, por ele se dizer um gajo calmo – calmo e também um pouco anti-social, visto que –
Tem uma espingarda na mala e uma pistola no porta-luvas, ninguém sabe bem para quê.
E não é para a caça, isso a população de Arreganha-a-nova o pode garantir. Ainda se diz um tipo “calmo”… de vez em quando vai jogar o seu real jogo de cartas com os outros ditos “calmos” da região, e não há sexta-feira à noite que não acabe numa “calma” cena de pancadaria.
Assim como nenhum jogo de futebol que dê sem ser na televisão por cabo é bom presságio para os cafés da terra de Arreganha. Os donos dos inúmeros estabelecimentos (dois e meio, visto que um deles é clandestino e, em teoria, “não existe”), ao que consta, ganharam a fama de usarem colete à prova de bala, e isto ninguém sabe porquê, uma vez que todos os indivíduos que se conhecem são “calmos”. Às vezes estão tão “calmos” que os colocam num caixão.
E o OME DO MONTE é, de entre os calmos, o mais calminho de todos. De grande envergadura, mãos grandes e cabedal de meter medo, de cabelo preto que não vê água desde as últimas chuvas – isto se chover – um BIGODE que deixa crescer desde que atingiu a maioridade (ou seja, desde que nasceu), e umas BOTARRAS que pisam todo e qualquer tipo de solo.
Onde é que ia ele? Ah, ia para casa, atender o telefonema do ZÉ TOLAS. Raios partam o ZÉ TOLAS, pensou. Aos anos que já não via aquele OME. É ele, o QUIM PESCAS e o LA BOUSSE. Este último emigrou, e já ninguém ouve falar dele desde o dia em que levou umas cinco unidades de tabaco (e tanta cerveja que dava para ser declarada um lago) para o estrangeiro. Está caro, em França, está caro, disse ele, encheu o depósito e pôs-se na alheta.
Mas aqui, nos seus tranquilos e “calmos” Trás-os-Montes, o OME DO MONTE governava-se bem, sem problemas, quer dizer, sem problemas ainda vivos. Agora mesmo já se encontrava quase a chegar a casa. Apareceu OUTRA VEZ o chato do Pulgas. O que é que ele queria?
“VAI LADRAR PARA A ESQUINA, PULGUENTO!”
A cozinheira estava já à espera dele na entrada.
“Ó senhor, apresse-se, que o senhor ZÉ TOLAS daqui a bocado fica sem moedas para manter a ligação!”
O OME DO MONTE é de poucas palavras, e sempre que pode, mostra o seu lado afável e compreensivo.
“TÁ BEM! ALGUÉM FALOU PARA TI?”
Foi à sua secretária (que, ao tempo que está parada, até ganhou bicho), levantou o auscultador, e colocou-o ao ouvido.
“TOU!”
Ouviu uns ruídos.
“TOU!?”
Mais ruídos. Começou a estranhar. Será que o aparelho estava avariado? A cozinheira estava a observá-lo com atenção. Ganhou coragem e disse, ainda a medo:
“Ah… o senhor tem… tem… tem o telefone ao contrário.”
O OME rodou o telefone.
“EU SABIA! E TU JÁ IAS PREPARAR O ALMOÇO!”
“Mas são nove e meia…”
“MAS JÁ!”
Ela ausentou-se a correr, já quase a chorar, ao que ele, satisfeito com a sua eficácia, se encostou na cadeira, como os OMES que usam secretárias costumam sentar-se, cheios de estilo. Até experimentou baixar um pouco a voz.
“Tou sim?”
O ZÉ TOLAS já estava farto de esperar. Já para aí há 20 minutos que metia moedas no telefone da sua empresa e a carteira não tinha muitas mais.
“TOU, OME!”, disse muito rápido, “OLHA, eu não te ligava se não fosse mesmo muito importante, mas isto é uma questão de vida ou de morte… e cheira muito, muito, muito mal.”
“OI, mas não sou eu!”
“Eu sei que não és tu. Tu cheiras mal, mas cheiras mal na Arreganha-a-nova. OLHA: na empresa em que eu trabalho, a Ping Digitália, estão a planear coisas muito perigosas. Os chineses estão a congeminar, e são muito suspeitos.”
“Mas tipo, EU NÃO QUERO SABER DOS CHINESES!”
O ZÉ TOLAS, que já esperava isso, rematou:
“Eles apanharam o QUIM PESCAS no alto-mar e prenderam-no!”
“OI? O QUÊ?”
“Sim, isso mesmo, e temo que lhe vão fazer mal. Não sei o que é que eles querem, nem o que estão a pensar fazer, mas vamos fazer o seguinte: tu mete-te já no carro e guia para a CIDADE CAPITAL. Acelera. A tua viagem ainda vai demorar umas horitas. Entretanto, eu vou tentar libertar o QUIM. Vou fazer os possíveis, mas não me parece que consiga passar a segurança toda. Não sei. Tenho que ver isso. O mais certo é lixar-me também. Tu vem direito à Ping Digitália. Quando chegares vai à recepção e pede para que o empregado ZÉ TOLAS venha ter contigo. Se eu não aparecer, chama a bófia e diz que há tráfego de órgãos nos níveis inferiores do complexo de prédios aqui da empresa… isso vai fazer a polícia revistar o local… e os chineses não vão conseguir explicar porque é que o QUIM PESCAS está enclausurado.”
“MAS ESPERA, porque é que não esperas que eu chegue e dizemos tudo à polícia?”
“Porque pode já ser tarde. Não quero nem imaginar o que podem fazer ao QUIM se esperarmos muito. A regra deles, pelo que vi, é: nada de testemunhas. Anda lá. Salta para o carro. Está a acabar-se o meu tempo. Até logo!”
A chamada caiu.
“ATÉ LOGO! BOA SORTE!”, bradou o OME DO MONTE, a ver se o outro ainda o podia ouvir, caso falasse um pouco mais alto. Bateu com o auscultador no telefone, ergueu-se, cheio de energia, e gritou, para a casa toda ouvir:
“Ó ALBERTINA, TRAZ-ME AS BALAS DA CAÇADEIRA!”
(…)
E não percam o próximo OMIPISÓDIO, dia 26 de Fevereiro, que nós também não!
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